O Jusnaturalismo é visto dentro da Filosofia do Direito como uma gama de pensamentos que reúne pontos em comum em volta do Direito Natural. O Jusnaturalismo não se apresenta uniforme ao longo da História, mas o que une essa corrente de pensamento é a visão que além dos Códigos Escritos, há uma ordem de Direito Superior que é a expressão de um Direito ideal, ou seja, perfeito e justo.
Para Paulo Nader a diferença no conceito de Direito Natural principalmente através dos tempos está na origem desse Direito:
“Para o estoicismo helênico, localizava-se na natureza cósmica. No pensamento teológico medieval, o Direito Natural seria a expressão da vontade divina. Para outros, se fundamenta apenas na razão. O pensamento predominante na atualidade é de que o Direito Natural se fundamenta na natureza humana (NADER, 2013, p. 374)”.
Conceito de Direito Natural
Perquirindo as várias fontes sobre o tema, percebemos que o conceito jurídico/filosófico de Direito Natural não é tão simplório ou diminuto como à primeira vista parece ser, seguindo com Nader conseguimos extrair e montar um conceito:
“O raciocínio que nos conduz à ideia do Direito Natural parte do pressuposto de que todo ser é dotado é dotado de uma natureza e de um fim. A natureza, ou seja, as propriedades que compõem o ser, define o fim a que este tende a realizar. (…) O adjetivo natural, agregado à palavra direito, indica que a ordem de princípios não é criada pelo homem e que se expressa algo espontâneo, revelado pela própria natureza. (NADER, 2013, p. 375)”
Já como um movimento rumo à Laicização característica da Cultura Moderna é que se insere o que é conhecido como Direito Natural, marcado pela ideia de que todo Universo segue uma razão baseada na Matemática e na Geometria inclusive as ações humanas. Hugo Grócio é tido como o principal fomentador do Direito Natural de cunho racional que elege a Reta razão como guia das ações humanas e não mais um Ser Sagrado.
Ainda assim, mesmo dentro da Escola Clássica do Direito Natural, os diferentes autores não concordavam entre si quanto à fonte última do Direito Natural, autores como Leibniz e Wolf pregavam ainda que Deus seria a fonte última do Direito Natural, o que obviamente contrastava com Grócio, Pufendorf e Lock que elegeram a Reta razão.
Evolução Histórica do Direito Natural
Antigo Egito
Conseguimos encontrar características do que é conhecido como Direito Natural ou Lei Natural em diversas culturas antigas e medievais, desde o Antigo Egito e Babilônia, passando por Grécia, Roma Clássica e os filósofos teólogos Medievais. Na Antiguidade, sobre o Egito Antigo, extraímos o que nos preconiza o Dicionário Jurídico Acquaviva: no Egito Antigo pg 318:
“Quanto à evolução histórica do Direito Natural, observa Bernadino Montejano que no antigo Egito, mais precisamente no Antigo Império (2895 a 2540 a.C), a deusa Maat se indentificava com a própria ordem estabelecida, autocrática; mais tarde, todavia, durante o Império tebano (1580 a 1100 a.C) a noção de um julgamento dos mortos por Deus, se torna a última esperança dos justos oprimidos (ACQUAVIVA, 2013, p. 320)”
Direito Natural na Babilônia
Sobre a Lei Natural na Babilônia, seguimos com Acquaviva (2013, p. 320):
“Na antiga Mesopotâmia, região onde se acha o atual Iraque, e assim denominada por se localizar entre dois rios (mesos + pótamos), quais sejam, o Tigre e o Eufrates, floresceram notáveis civilizações, como a assíria e a babilônica. Entre os anos 1728 a 1688 a.C,, a Babilônia foi governada por um rei, Hamurabi, que se tornaria célebre por ter consolidado a Legislação de seu país, gravando-a numa pedra de diorito negro, com 2,25 m de altura, a qual se encontra, hoje no Museu do Louvre. (…) Como se vê, Hamurabi se propõe não apenas regulamentar a vida civil, mas também realizar a Justiça ideal, numa ordem estabelecida pelos deuses, reflexo da harmonia de um mundo superior.”
Direito Natural e os Hebreus
Outra Civilização antiga importante no trato com o que chamamos de Direito Natural foi a Civilização Hebraica que sempre procurou se distanciar da Cultura politeísta das outras civilizações vizinhas. Independentemente se os fenômenos que aconteceram naquelas terras do Oriente Médio foram sobrenaturais ou não, o registro bíblico nos revela como a Civilização Hebreia deu um salto de qualidade nas questões morais que nas outras Civilizações não eram tão evidentes.
O próprio Código de Hamurabi, já citado anteriormente, fica aquém da Lei Mosaica com relação à preceitos morais e mesmo que muitos escritores digam que a Lei Mosaica é um plágio do Código de Hamurabi, é observável a superioridade da Lei Hebreia com relação a Lei de Hamurabi, até por isso o Direito Hebreu é marco inicial quando se trata da História dos Direitos Humanos. Aqcuaviva (2013, p. 320) também nos destaca alguns preceitos da Lei Judaica:
“Em referência ao Direito hebraico, inúmeros preceitos revelam a intuição da existência de um Direito Natural, haja vista o que diz o texto bíblico, mais precisamente o Exodo (23:7), quanto ao direito à vida: “ Não mates o inocente e o justo, porque não absolverei o culpado”. O dever moral de veracidade ainda no Exodo (23: 6 e 7) aparece, cristalino: “Não violes o direito do pobre em seu processo. Afasta-te de causas mentirosas”. O texto sugere notável semelhança com esta passagem do Livro dos Provérbios, do rei Salomão: Não armes demanda a homem algum sem causa, e quando te não fez algum mal” (Capitulo III, 27)”
Direito Natural na Idade Média
Na Idade Média, tomando por base os escritos de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, que são dois dos maiores representantes do pensamento medieval, o primeiro relacionado à Patrística e o segundo à Escolástica, temos que a Lei superior ou divina emana de uma força sobrenatural que obviamente para eles é Deus. É o que nos explica Bittar e Almeida (2012, p. 282):
“Essa concepção surge, de modo cristalino, nas concepções de Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino. A Cidade de Deus é o lugar regido pela lei divina que contrasta com a cidade dos homens, regida pela lei humana. A tarefa de incorporar a lei divina no âmbito da lei humana é o que deve ser realizado pelo Direito. Ressalta-se que se trata de uma tarefa dificílima. Na concepção tomista há uma lei eterna, uma lei natural e uma lei humana. A lei eterna regula toda a ordem cósmica (céu, estrelas, constelações etc) e a lei natural é decorrente desta lei eterna. Fica claro nas duas concepções, sinteticamente resenhadas anteriormente, que a lei superior (a divina, para Santo Agostinho, e a eterna, para Santo Tomás de Aquino) emana de uma força sobre-humana, qual seja: Deus.”
Hugo Grócio
Com Hugo Grócio no século XVII, notamos uma mudança pontual no conceito de Lei Natural que agora passa a ser chamado de Direito natural, elegendo a reta razão como balizadora das ações humanas, essa mudança de prumo na Esfera do Direito é também comparada à Revolução Copernicana, pois indica um novo rumo a ser seguido pela Ciência jurídica de então.
Grócio foi um jurista nascido na Holanda, filho de pai protestante e mãe católica, escreveu sobre Filologia, História, Teologia e também fez poesia, sua principal obra, na qual expõe sua concepção do Direito Natural é De Jure Bellic ac Pacis de 1625.
Holanda
A Holanda em que Hugo Grócio nasceu e se formou, possuía uma característica marcante na época, que era a de ser altamente urbanizada mesmo ainda em um período de Feudalismo. Delft sua cidade natal era uma cidade fortemente comercial, esse ambiente influenciou grandemente seu pensamento é o que escreve Bittar e Almeida (2012, p. 284):
(…) A cidade é um elemento não feudal na estrutura social da época, e os mercadores e comerciantes, seus principais habitantes, constituíram um sistema administrativo e judiciário autônomo dos senhores feudais. As cidades holandesas se transformaram-se em communitas – uma comunidade estruturada em forma corporativa – e podiam fazer alianças, estabelecer relações comerciais e militares com outras cidades. Algumas vezes, a cidade colocava-se, expressamente, sob a proteção de um príncipe, declarando-lhe lealdade. Esta experiência de autonomia desenvolveu-se e se transformou no moderno conceito de soberania.
Foi nesse ambiente que nasceu e se formou Hugo Grócio. Sua doutrina do Direito Natural reflete esse desejo de autonomia, que se manifesta, de modo inicial, em relação à Teocracia. Não é mais Deus ou a ordem divina o substrato do Direito, mas a natureza humana e a natureza das coisas. Não há possibilidade de uma sanção religiosa. O Direito Natural não mudaria seus ditames na hipótese da inexistência de Deus, nem poderia ser modificado por ele.
Beccaria
Os diferentes autores da Escola Clássica do Direito Natural não tiveram unanimidade de pensamento, muitos ainda continuaram afirmando que Deus seria a fonte última do Direito Natural e é essa linha que Beccaria vai seguir já no século XVIII, mesmo com toda influência iluminista revolucionária, no entanto, Beccaria defendeu o que ficou conhecido na história como os “Déspotas Esclarecidos”. Sobre isso nos diz Reale e Antiseri (2005, p. 673):
O ideal jusnaturalista de um direito em conformidade com a razão precisa-se de modo sempre mais radical no século XVIII, inspirando projetos de reformas. Tais reformas muitas vezes são operacionalizadas pelos próprios soberanos, muitos dos quais gostam de ser chamados “iluminados”, embora permanecendo absolutistas, mas outras vezes também são propugnadas e realizadas contra eles.”
Beccaria segue uma linha parecida com Pufendorf o jus filósofo alemão, discípulo de Grócio que diz:
“É muito evidente que os homens derivam o conhecimento de seu dever, e do que é adequado fazer, ou do que deve ser evitado nesta vida, por assim dizer, de três fontes, ou nascentes: da luz da natureza; das leis e constituições dos países; e da especial revelação de Deus Todo-Poderoso” (PUFENDORF, 2007, p 41).
Beccaria e Pufendorf
Pufendorf além de ter sido influenciado por Grócio, também recebeu fortes influencias de Hobbes e Descartes que ajudaram a formar a sua visão de Direito Natural. O Jurisconsulto alemão vivenciou a Guerra dos Trinta anos na Europa e viu nascer a Paz de Westfália, todos esses acontecimentos influenciaram a sua obra que é vista como sincrética por muitos pensadores famosos do Direito contemporâneo como Norberto Bobbio.
À semelhança com o conceito de Direito Natural de Pufendorf, encontramos no Delito e das Penas:
“Os preceitos de moral e de política que têm aceitação entre os homens derivam, quase sempre, de três fontes: a revelação, a lei natural e as convenções sociais. Entre a primeira e as duas últimas não há comparação possível, considerados os seus fins principais, completam-se, contudo, quando tendem, de modo igual, a tornar os homens felizes na terra (BECCARIA, 2003, p. 8)”.
No entanto, não podemos deixar de notar uma diferença entre os pensamentos de Grocio e Putendorf com relação ao pensamento de Beccaria, essa diferença fica na adesão ao método indutivo tanto por parte do Pensador Holandês, quanto por parte do pensador Alemão, sobre o método indutivo na obra de Putendorf e Hugo Grócio, voltamos com Bittar e Almeida (2012, p. 286):
“Ao explicar seu método de reflexão, Pufendorf evidencia sua adesão ao método das ciências matemáticas e ao raciocínio indutivo, o que o aproxima de Hugo Grocio (…) Conforme aponta Pufendorf, usa-se o método dos matemáticos para a descoberta de um princípio imutável. Essa ideia, cara à Escola Clássica do Direito Natural, faz dele um Direito imutável, perene às transformações históricas e não suscetível aos diversos costumes e tradições dos diferentes povos”.
Nota
*Texto adaptado extraído da Monografia apresentada à Universidade Federal do Maranhão – Centro de Ciências Sociais, Saúde e Tecnologia de Imperatriz –, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Área de concentração: Criminologia; Direito Penal.
Orientador: Profº.: Gabriel Araújo Leite
Autor: José Domingos Martins da Trindade
Título: CRIMINOLOGIA E APOLOGÉTICA: C.S. LEWIS COMO SÍNTESE ENTRE A ESCOLA CLÁSSICA E A ESCOLA POSITIVA NO CRISTIANISMO PURO E SIMPLES.
REFERÊNCIAS
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Acquaviva. 6ª Ed. Sã Paulo: Rideel, 2013.
BECCARIA, Cesare Bonesana Marchesi di. Dos Delitos e das Penas. Tradução Deocleciano Torrieri Guimarães. São Paulo: Rideel, 2003.
BITTAR, E.C.B; ALMEIDA, G.A. Curso de Filosofia do Direito. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2012.
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 35ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
PUFENDORF, Samuel. Os deveres do homem e do cidadão de acordo com as leis do direito natural, 2007.
REALE, Giovanni; ANTISERI. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. V1. São Paulo: Paulus, 1990.
2 comentários
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[…] foi um filósofo de grande influência no pensamento de Beccaria. Diferentemente de Hobbes, Rousseu preconiza que o homem tem uma natureza boa ou que é bom por […]
C.S Lewis e a Lei Natural no Cristianismo Puro e Simples · 17/01/2020 às 15:22
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