Antes de tudo devemos salientar que Taciano foi discípulo de Justino, mas aquele tomou uma atitude de pensamento contrária a de seu mestre. Eles não chegaram à nenhum embate, mas tomaram rumos opostos quanto ao Cristianismo.
Para entendermos a diferença de pensamento entre os dois, vamos utilizar a frase de outro apologista famoso: Tertuliano que nasceu depois dos dois apologistas já citados. Tertuliano disse: “Que tem Atenas a ver com Jerusalém?”. Essa frase ilustra que no começo do Cristianismo, os pensadores cristãos estavam divididos em tentar ou rejeitar uma aproximação da Cultura Greco-Romana com o pensamento cristão.
No início do século II, os cristãos eram criticados de duas maneiras: os boatos populares e as críticas por parte da classe culta. Os boatos se baseavam em uma interpretação errada da vida e organização da cristandade da época. Por ex: Os Cristãos se reuniam toda semana para celebrarem uma refeição a que chamavam “festa de amor”.
No que hoje é chamada de santa ceia, aquela refeição era realizada em privativo, e somente eram admitidos os que haviam iniciado na fé, ou seja, os batizados. Além disso os cristãos se chamavam de irmãos entre si, e a sociedade grega acusava que irmãos cristãos casavam entre si.
Com base nesses fatos, as calúnias contra os cristãos aumentaram, muitos chegaram a crer que os cristãos se reuniam para celebrar uma orgia em que se davam em uniões incestuosas. Diziam também que os cristãos comiam carne humana com pão e que adoravam um “asno” crucificado.
Para refutar essas ideias, que logicamente eram falsas, os cristãos apenas apontavam para as suas vidas e condutas, cujo os princípios eram mais elevados do que os dos pagãos.
Mas existia também as acusações vinda dos pensadores pagãos da classe culta, um dos mais famosos foi Celso, que escreveu contra os cristãos um tratado chamado “A Palavra Verdadeira”.
Assista em Vídeo Disputas Teológicas: Justino x Taciano
Celso
As acusações de Celso e outros pensadores como Frontão, além do preconceito de classe, se resumia no seguinte:
O Deus dos judeus e dos cristãos é um Deus ridículo. Por um lado, dizem que é onipotente, e que é o ser supremo que se encontra acima de tudo. Mas, por outro, descrevem-no como um ser curioso, que se intromete em todos os assuntos humanos, que está em todas as casas vendo o que se diz e até o que se cozinha. Esse modo de conceber a divindade é irracional. Ou se trata de um ser onipotente, acima de todos os outros seres, e, portanto, apartado deste mundo, ou se trata de um ser curioso e intrometido, para quem as pequenezas humanas são interessantes.
Celso também criticava a Jesus, dizia que se de fato era filho de Deus, por que permitiu que o crucificassem? Por que não fez seus inimigos caírem mortos? Por que não desapareceu quando iam crucificá-lo?
Criticava também a ressurreição dos corpos, dizia: Como ressuscitarão aqueles corpos destruídos por fogo, ou devorados por peixes ou feras? Irá Deus por todo o mundo recolhendo e unindo os pedaços de cada corpo?
A tarefa de defender a fé diante das criticas e acusações dos pagãos, produziram as mais notáveis obras teológicas do século II,III e IV. Uma das mais antigas foi o “Discurso a Diogneto” de autor anônimo, talvez Quadrato. Atenágoras escreveu uma Defesa dos cristãos e um tratado Sobre a ressureição dos Mortos. No século III, Orígenes escreveu uma refutação contra Celso.
O Mais famoso apologista dessa época foi Justino o Mártir que faz parte do título desse texto-vídeo. Justino escreveu duas apologias e o famoso Diálogo com Trifão. Mas para melhorar o entendimento sobre o assunto da frase de Tertuliano, começaremos expondo primeiro o pensamento de Taciano:
Taciano
Taciano foi o mais famoso discípulo de Justino, escreveu o chamado “Discurso contra os Gregos”. Essa obra é um ataque frontal a tudo que os gregos consideravam valioso.
Os gregos chamavam de “bárbaros” todos os que não falavam como eles; Taciano lhes atira na cara que eles mesmos não sabem falar o grego, pois em cada região se falava de um modo diferente. Além disso os gregos inventaram a retórica que é o que os sofistas faziam vendendo as palavras por ouro, mesmo que com isso se perca a liberdade de pensamento e se defenda a injustiça e a mentira.
Taciano diz que tudo que há de valioso entre os gregos, eles tomaram dos “bárbaros”. Assim, por exemplo, a astronomia aprenderam dos babilônios, a geometria, dos egípcios e a escrita dos fenícios. O mesmo pode se dizer acerca da filosofia e da religião, pois os escritos de Moisés são muito mais antigos que os de Platão, e até mais antigos que os de Homero.
O pensador vai dizer que os gregos leram a sabedoria dos “bárbaros”, mas não entenderam, e por isso, adulteraram a verdade que os hebreus conheciam. Portanto, a suposta sabedoria grega é apenas um reflexo pálido e um arremedo da verdade que Moisés conheceu e que os cristãos agora pregam.
Sobre os deuses gregos, Taciano dizia que Homero relatou em seus poemas que eles praticavam a mentira, o adultério, o incesto e o infanticídio. Taciano dizia que as esculturas que os gregos adoram são na realidade estátuas de “mulherzinhas” e prostitutas a quem os escultores tomaram por modelos.
Justino
Justino não nutriu um sentimento negativo com relação ao pensamento grego, diferente de seu discípulo Taciano, o que não fazia daquele pensador um cristão menos convicto, pelo contrário, quando chegou o momento de testificar sua fé cristã diante dos tribunais, o fez com toda convicção; em razão disso, passou para a história com a honrosa alcunha de “Justino, o Mártir”.
Justino conseguiu enxergar vários pontos de contato entre o Cristianismo e a filosofia clássica. Muitos filósofos falaram de um ser supremo que se encontra acima dos demais seres, do qual todos derivam de sua existência. Sócrates acreditava em uma vida após a morte, demonstrou isso na maneira em que morreu. Platão falava em outro mundo que não esse, de realidades eternas.
Apesar de saber quer os filósofos tinham razão em muitas coisas, Justino não estava totalmente de acordo com suas ideias, como por exemplo, dava ênfase na ressurreição do corpo e não na imortalidade da alma. No entanto, enxergava traços de verdade no pensamento secular que não deveria ser fruto do acaso.
São Justino e o Logos
Justino tenta explicar as semelhanças entre a filosofia grega e o Cristianismo recorrendo à doutrina do Logos. O termo logos significa tanto “razão” como também “palavra”. De acordo com os pensadores gregos, só podemos compreender algo porque participamos do logos ou razão universal. De acordo com a crença cristã, o Logos é Jesus Cristo, crença fundamentada no Evangelho de João que diz que o Verbo (logos) se fez carne e habitou entre nós.
O apóstolo João afirma em seu Evangelho que o Verbo ou Logos é a luz que ilumina todo aquele que vem a este mundo. Jesus é a fonte de todo conhecimento verdadeiro, mesmo antes de sua vinda material. Paulo também fala que os antigos judeus tiveram uma revelação de Cristo mesmo antes de sua encarnação (1 Co 10.1-4). Justino conclui que entre os pagãos também houve uma revelação do Verbo mesmo que em parte.
Se o mesmo Verbo que é Jesus Cristo deixou-se conhecer na Antiguidade e no mundo todo, Sócrates, Platão e outros filósofos eram também de certa forma “cristãos”, pois o conhecimento bom deles advinha de Cristo. O cristão tem a vantagem de conhecer Jesus em sua encarnação como homem e nos seus ensinamentos, os outros só conhecem parcialmente.
O pensamento de Justino abriu trincheira para que o cristianismo absorvesse tudo de bom que pudesse encontrar na cultura clássica como Paulo mesmo ensinou: Examinai tudo. Retende o bem. (1 Ts 5:21). Logo outros pensadores também trilharam o mesmo caminho de Justino mesclando a fé cristã com a cultura clássica da antiguidade.
E você em que lado fica nessa história? Acha que o sincretismo do Cristianismo com o pensamento grego atrapalhou o próprio Cristianismo ou ajudou? A patrística é praticamente formada com esse sincretismo e tem todo apoio dos católicos, já a Reforma tentou voltar o Cristianismo para suas bases judaicas! Deixe seus comentários!
Referência
História Ilustrada do Cristianismo. Justo L Gonzalez
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