Eusébio de Cesareia foi provavelmente o cristão mais culto de toda a Igreja durante a primeira década do século IV. Mas na opinião de muitos historiadores, Eusébio capitulou diante do poder imperial de Constantino e por isso é considerado por estes como tendo um caráter débil.
No entanto, para outros tantos historiadores, fazer essa espécie de julgamento com Eusébio, sem uma analise mais profunda de sua vida e intenção cristã diante do Império é deveras injusta e precipitada.
Eusébio nasceu por volta de 260, provavelmente na Palestina, onde passou a maior parte de sua infância. É conhecido como Eusébio “de Cesareia” porque foi bispo nessa cidade e porque foi educado nela, mas o lugar exato do seu nascimento é incerto.
As Mudanças Intelectuais da Época de Eusébio
Na época de Eusébio, a Teologia passava por uma grande transformação, as tradições mais antigas dos primeiros apologistas começavam a mudar, e se misturar com outras tradições, e a adaptar-se com novas situações na Igreja e no mundo das Ideias.
Divisões intelectuais surgiam, pois não era mais possível manter de forma consistente as suposições filosóficas de Origines. Os conceitos e ensinos de Aristóteles estavam corroendo os fundamentos platônicos e os interesses teológicos. A consideração pela verdade literal da Bíblia estava reivindicando seu direito e novos problemas começavam a surgir.
A Obra de Origines era Sistemática, moldada sua exegese, teologia e ontologia em um simples padrão unificado. A nova geração de teólogos que ia surgindo, tentava aplicar e encontrar novos métodos. A mudança da filosofia em filologia para um exame criticamente exato das Escrituras, é muito perceptível na personalidade e obra de Panfílio.
Eusébio e Panfílio
Panfílio era um rico advogado de Berito na Fenícia, que sobre a influência de Piério, diretor da Escola Cristã em Alexandria, decidiu abandonar sua carreira pública e se dedicar exclusivamente ao Serviço da Igreja.
Como Presbítero da Igreja em Cesareia, Panfílio, se tornou o bibliotecário encarregado do espólio literário de Origines.
O Bibliotecário Panfílio focou-se principalmente em produzir um texto confiável da Bíblia com base na Hexapla e nos Comentários de Origines sobre o Antigo e Novo Testamento.
Panfílio foi quem exerceu um profundo impacto na vida do jovem Eusébio. Eusébio, ao conhecer Panfílio, sentiu-se inspirado pela fé fervorosa e e pela curiosidade intelectual deste mestre, sua devoção a Panfílio chegou a um tal nível que ele passou a se chamar posteriormente de “Eusébio de Panfílio”.
Durante muito tempo, Panfílio, Eusébio e outros trabalharam juntos e provavelmente viviam na mesma casa repartindo os gastos e receitas. Mais tarde o próprio Panfílio acaba sendo superado por seu discípulo no prazer das leituras, Eusébio fez várias viagens em busca de documentos sobre a origem do Cristianismo.
Eusébio e Panfílio escreveram várias obras, dessas a mais importante e conservada é a Crônica de Eusébio.
A Perseguição chega a Cesareia
Em 303, a perseguição chega à Cesareia e os primeiros mártires daquela cidade começam a padecer. em 307, sob o comando de Maximino Daza, Panfílio foi preso, permanecendo no cárcere por mais de dois anos sem ser executado.
Durante esse período, Eusébio e Panfílio escreveram juntos cinco livros de uma Apologia de Orígenes. Eusébio acrescentou ainda um sexto, depois do martírio de seu professor. Eusébio escapou da perseguição, nessa época se ausentou de Cesareia por pelo menos duas vezes, provavelmente para escapar das Autoridades.
Nesse período, o Cristão tinha o dever de evitar o Martírio, até que ficasse evidente que Deus havia escolhido a pessoa para essa coroa de fé. Em meio à perseguição, Eusébio continuou seus escritos, foi nesse período que revisou e ampliou sua obra mais importante: A História Eclesiástica.
Comparação entre as Obras de Eusébio Com outros Apologistas
Ao compararmos as Obras de Eusébio com as obras dos apologistas mais antigos como Justino o Mártir, a diferença na situação e qualidade pessoal de Eusébio se torna evidente.
Se Eusébio não tivesse escrito mais nada, somente A História Eclesiástica já o colocaria como um dos Gigantes da Igreja no século IV. Foi Eusébio que compilou, organizou e publicou quase tudo que temos de informações sobre os primeiros séculos da Formação da Igreja cristã.
A Influência da Igreja na época de Eusébio
A Igreja há muito tempo havia se espalhado por todo o mundo civilizado. Tanto os centros urbanos como seus povoados eram influenciados por suas igrejas e em todas as profissões, inclusive nas intelectuais, as atividades dos cristãos haviam aumentado em grandes proporções.
Por outro lado, a sociedade pagã havia se tornado empobrecida e degenerada moralmente no período das guerras civis e do começo do declínio do Império Romano mas a Igreja se manteve firme e continuava a crescer grandemente, graça as suas características que são: disciplina, coragem, intrepidez e fé inabalável.
O Paganismo com seus vários deuses e seus sacrifícios de sangue, suas superstições místicas e com a eterna briga entre suas visões filosóficas se mostrava como uma religião em ruínas fadada a desaparecer pois não conseguia mais se manter no foco da reta razão e moralidade elevada.
Eusébio e Constantino
A Tolerância Religiosa decretada por Constantino e Lícinio, para Eusebio e seus amigos, isso era obra de Deus semelhante aos milagres que aconteceram no Exôdo. Por volta de 315, Eusébio foi eleito bispo de Cesareia, nesse tempo, Constantino e Lícinio também começaram a brigar e Eusébio ficou ao lado de Constantino que ficou ao lado dos cristãos.
Eusébio era um bispo muito respeitado por sua classe e a cidade de Cesareia era uma cidade muito influente, por esses motivos, o Imperador Constantino se dedicou em conquistar o apoio do famoso bispo da cidade.
Devido às circunstâncias da perseguição e seu fim, Eusébio não tinha outra coisa a fazer senão ficar grato com o Imperador pela mudança que ocasionara. Aos que acusam Eusébio de ser um bajulador, devemos informar que foi só depois da morte de Constantino que Eusébio escreveu suas linhas mais elogiosas sobre o já falecido Imperador.
Portanto, não teve nada de bajulação entre Eusébio e o Imperador Constantino, mas sim o sincero sentimento de agradecimento pelas novas circunstâncias que o Imperador trouxe à Igreja Cristã. No entanto, temos de observar que Eusébio percebia também os defeitos de Constantino, como sua ira incontrolável e seu espírito sanguinário, mas o propósito apologético dos escritos de Eusébio não permitiram que ele se centrasse nessas coisas.
Realmente, Eusébio fez parte de uma mudança de enfoque teológico: das dificuldades que um rico teria para entrar no Reino de Deus para enxergar a riqueza e a pompa como um sinal de favor divino. Por este fato, Eusébio descreve com grande contentamento e orgulho, os luxuosos templos que estavam sendo construídos.
Eusébio nos seus escritos históricos também parece abandonar o tema da vinda iminente do Reino de Jesus, dando a impressão que o Plano de Deus se cumpriu com Constantino e seus sucessores, nos restando apenas o momento de sermos arrebatados em Espírito para o Reino Celestial.
De certa forma, o movimento monástico, foi um protesto contra a acomodação que o Cristianismo da época estava adentrando por causa dos acontecimentos já narrados com a era de glamour após as medidas de Constantino.
Mais um pouco da Visão Teológica de Eusébio
Para Eusébio o monoteísmo e a nova moralidade subjetiva era o centro do Evangelho de Jesus Cristo. Antes de mais nada, o estágio nômade da civilização tinha de ser superado; cidades precisavam ser construidas, leis deveriam ser feitas, artes e habilidades desenvolvidas, e “a vida, que ainda era até certo ponto animal e indigna tinha de ser domada e moldada pelas origens da filosofia e civilização” (H.E I, 2, 17-19).
Quando o Império Romano trouxe paz ao mundo, sobrepujando a multiplicidade de governos, o momento certo (Plenitude dos Tempos) para a mensagem cristã havia chegado, de acordo com a vontade de Deus (Praep. Ev I, 4) (Grifo meu).
Diferenças entre a Teologia de Eusébio e Orígenes
Como já narrado nesse texto, as origens do pensamento de Eusébio são encontradas em Orígenes, principalmente no espírito da disputa contra os inimigos pagãos da Igreja cristã. No entanto, a obra de Orígenes não estava voltada para a política e história do mundo.
Já Eusébio mantinha uma postura bem diferente apesar de também pregar a separação acética do mundo e a adoração a Deus como objetivo último da caridade cristã. No entanto, Eusébio enxergava que o celibatarismo deveria ser uma exceção à regra ficando restrito a alguns celibatários e sacerdotes da Igreja.
Para o resto da Cristandade deveria manter sua postura no mundo, no meio de suas atividades e Deus iria proteger a sua Igreja no mundo contra todos os ataques furiosos de seus inimigos e levar os cristãos à vitória e ao sucesso para serem uma luz para iluminar as nações.
Essas características fizeram de Eusébio um historiador da Igreja, diferentemente de Orígenes que tinha outros interesses como já mencionado.
Eusébio e a História da Igreja
Após uma longa e apurada introdução sobre os diferentes sistemas cronologicos, Eusébio apresenta tabelas sincronizadas da história do mundo. A justaposição das datas bíblicas e seculares tinha como objetivo mostrar que o Cristianismo seria a mais antiga e venerada religião do mundo.
Para Eusébio a história da Igreja no seu tempo era o desdobramento final da Vitória de Cristo. Até certo ponto a História da Igreja é uma versão independente dessas introduções de Eusébio. Na Obra, as informações sobre bispos famosos, teólogos, hereges, perseguições e outras questões, são colocadas lado a lado mostrando por um lado a influência de seu método antigo e por outro um caminho completamente novo já mais trilhado por outro escritor até então.
Eusébio era aficionado por registros cronologicos e dessa sorte fragmentos valiosos da literatura antiga foram preservados por sua obra os quais sem ela, teriam sido perdidos. O historiador construiu sua obra tão minuciosamente que os historiadores da igreja que vieram depois meramente a continuaram ou simplesmente serviram de tradutores dessa obra.
O Conteúdo da História da Igreja
A exposição de Eusébio se inicia com Jesus Cristo cuja a natureza e suas atividades “aprsentam-se para um investigador contencioso de modo tão sublime e poderoso que não podem ser mais humanas” (HE I, 1,7).
Na sequência, no decorrer de 7 livros ele vai conduzindo o assunto para a sua própria época, e a aborda nas três últimas obras.
Eusébio e a Política
Por ser um homem simples de origem humilde, Eusébio acabou sendo muitas vezes enganado no meio político. Sua principal marca no meio política foi sua aliança com o Imperador Constantino como uma espécie de inevitabilidade teológica.
Como Filósofo realista defensor da nova ordem cristã, Eusébio foi muitas vezes classificado acertadamente como um “cristão bizantino’. Todos os seus empreendimentos foram direcionados para a realização de uma civilização moral unida a uma igreja mundial.
Para Eusébio a vitória final da Igreja somente poderia ser alcançada em aliança com o Império que garantiria a paz mundial sagrada sobre a coordenação do Imperador. Esta concepção de Eusébio acabou o levando ao fracasso como político eclesiástico.
Eusébio e o Arianismo
A Controvérsia Ariana estava dividindo a igreja no exato período de tempo da vitória de Constantino. A temática não tinha nada a ver com a política mas chegava no momento mais inadequado possível. Era uma disputa pelo fundamento da fé cristã na Salvação alavancada na pessoa Divina e Humana de Cristo.
Eusébio injustamente foi acusado muitas vezes de ser um ariano convicto, sendo que para ele, Cristo era mais que uma mera criatura e também mais que um semideus superior como pregava o dilema ariano. No entanto, Eusébio deu Guarida a Ário que o iludiu a dar inicio ao radicalismo de sua Cristologia.
Conclusão sobre Eusébio e a Teologia Oficial
Podemos concluir então que o Fato de Eusébio ser o principal escritor da época e por isso ter catalogado e vivido todos esses acontecimentos, levaram a impressão que Eusébio foi o grande responsável pela acomodação da Igreja, quando na verdade, ele foi apenas um porta-voz de muitos cristãos que como ele, se sentiram surpresos e agradecidos pelos novos rumos dos acontecimentos.
Referência do Artigo Eusébio de Cesareia: Vida e Obra
História Ilustrada do Cristianismo: Justo L González
Os Pais da Igreja. Hans Von Campenhausen. CPAD
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